A indicação do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de que seu país está "pronto para aceitar status neutro e não nuclear" fez com que o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, apontasse hoje a possibilidade de um "acordo entre a Rússia e a Ucrânia". Os dois países retomam as reuniões presenciais para negociação a respeito da invasão russa amanhã (29).
"Ainda vejo que há chances de um acordo porque há uma compreensão dos erros mais grosseiros de longo prazo de nossos parceiros ocidentais. Embora, por razões óbvias, é improvável que eles digam isso em voz alta", disse Lavrov, hoje, segundo relato da agência russa Tass. A Ucrânia, por sua vez, reforça que não há possibilidade de abrir mão de sua integridade territorial e membros do governo não acreditam na possibilidade de avanço nas principais questões.
Hoje, a guerra entre Rússia e Ucrânia entra em seu 33º dia, com a cidade de Irpin, que fica perto de Kiev, a capital ucraniana, dizendo que conseguiu ser "libertada" dos ocupantes russos. "Nossa Irpin está livre do mal de Moscou", disse o prefeito da cidade, Oleksandr Markushyn. Mais cedo, as Forças Armadas Ucranianas haviam dito que o exército russo "tenta romper a defesa do noroeste e do leste para assumir o controle das principais estradas e assentamentos" na região de Kiev.
Nesta segunda-feira, o governo ucraniano informou que não foram abertos corredores humanitários por questão de segurança. "Nossa inteligência relatou possíveis provocações dos ocupantes nas rotas dos corredores humanitários. Portanto, por motivos de segurança pública, não abrimos hoje corredores humanitários", disse a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iryna Vereshchuk.
Novo encontro
As delegações de Rússia e Ucrânia voltam a ter uma rodada de reuniões presenciais a partir de amanhã. O anúncio foi feito por David Braun, membro da equipe de negociadores da Ucrânia. O encontro será realizado na Turquia e deve acontecer até quarta-feira (30). Inicialmente, ele havia dito que os diálogos seriam retomados hoje, mas, por volta das 7h, horário de Brasília, publicou uma mensagem dizendo que, "devido a dificuldades logísticas, nossa chegada é esperada com bastante atraso, provavelmente muito tarde".
Nos últimos dias, as delegações de Rússia e Ucrânia estavam promovendo reuniões virtuais para discutir temas relacionados à invasão russa. Ontem, Braun disse que "foi decidido realizar a próxima rodada ao vivo pelas duas delegações na Turquia entre os dias 28 e 30 de março". Hoje, porém, o ucraniano indicou que as conversas começarão amanhã pela manhã (madrugada no Brasil) em razão de problemas logísticos. Segundo o governo turco, o período de encontros será realizado em Istambul.
Lavrov indicou hoje que a Rússia está se esforçando para garantir que a Ucrânia deixe "de ser dominada militarmente pelo Ocidente, a aliança do Atlântico Norte", em referência à Otan (Ortanização do Tratado do Atlântico Norte). "Somos obrigados a garantir que a Ucrânia deixe de ser um país constantemente militarizado e tentando colocar armas de ataque lá que ameacem a Federação Russa", disse o ministro das Relações Exteriores da Rússia, segundo a Tass.
Também hoje, porém, o porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, disse que não pode nem irá falar sobre o progresso nas negociações, mas que foi importante a decisão de continuá-las em formato presencial, segundo relato da imprensa da Rússia. Enquanto isso, Lavrov aponta que o governo está interessado em que a negociação seja "coroada com resultados".
No domingo, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse ao líder russo, Vladimir Putin, que são importantes "um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia, a implementação da paz e a melhoria das condições humanitárias na região", segundo relato de seu gabinete a respeito do telefonema.
Também ontem, ao falar sobre "neutralidade" em entrevista a jornalistas russos, Zelensky recordou que que "este foi o primeiro ponto de princípio para a Federação Russa, se bem me lembro". "E pelo que me lembro, eles começaram a guerra por causa disso", completou. Em outro ponto da entrevista, o presidente ucraniano enfatizou mais uma vez seu desejo de chegar a um acordo de paz concreto com Vladmir Putin, porém, ressaltou que qualquer acordo teria que ser apresentado ao povo ucraniano em um referendo.
Uma sessão de negociações russo-ucranianas já havia sido realizada no dia 10 de março na cidade de Antália, na Turquia, entre os Ministros de Relações Exteriores, sem avanços concretos. Desde então, as conversas têm continuado por videoconferência, o que ambas as partes consideram "complicado".
"O processo de negociação é muito difícil", disse, na sexta-feira (25), o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, negando qualquer "consenso" com Moscou. O presidente turco afirmou que a Rússia e a Ucrânia estão de acordo em quatro dos seis pontos da negociação, mas Kuleba negou essa informação. "Não há consenso com a Rússia sobre os quatro pontos mencionados pelo Presidente da Turquia", disse, elogiando "os esforços diplomáticos" da Turquia para pôr fim à guerra.
Rússia critica Biden
O governo russo avaliou, hoje, como "alarmantes" os comentários do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que chamou Putin de "carniceiro". "Esta declaração é, sem dúvida, alarmante", declarou Peskov. Segundo o porta-voz, a Rússia continuará "monitorando de perto" os comentários de Biden.
Irpin e Kiev
O prefeito de Irpin disse hoje que, apesar da saída dos russos da cidade, "ainda é cedo para voltar". "Estamos fortalecendo nossas fronteiras", disse Markushyn. "Entendemos que haverá mais ataques à nossa cidade e vamos defendê-la corajosamente." Até o momento, não houve declaração do governo russo a respeito da cidade, que fica perto da capital.
No primeiro relatório desta segunda, o Ministério da Defesa da Ucrânia disse que "o agrupamento de forças e meios de defesa da cidade de Kiev está a dissuadir o inimigo". O texto aponta que o exército russo tenta avançar para a capital ucraniana a partir do noroeste e do leste, buscando "o controle das principais estradas e assentamentos".
Segundo a plataforma de notícias Ukrinform, Vadym Denysenko, assessor do Ministério de Assuntos Internos da Ucrânia, disse em entrevista à imprensa ucraniana, que, "atualmente, os combates continuam nos arredores de Kiev". "Estamos resistindo, estamos lutando, continuamos defendendo a cidade de Kiev", disse Denysenko.
Nesta segunda, o serviço de emergências da ucrânia relatou que apagou um incêndio gerado a partir da queda de partes de um foguete em um distrito da capital. Não houve registro de feridos.
Barricadas de outdoors
O ministro de Infraestrutura da Ucrânia, Alexander Kubrakov, disse que outdoors instalados em estradas perto de Kiev estão sendo desmontados para fazer proteção à capital.
"Agora, os outdoors servirão às forças de defesa. Eles fortalecerão as barricadas e, das partes mais fortes, faremos ouriços antitanque", disse Kubrakov. Segundo ele, serão derrubados os outdoors que foram instalados de maneira ilegal.
O Ministério da Defesa russo não faz menção a Kiev, mas disse, em seu relatório, que seus militares conseguiram avançar na região separatista de Lugansk, no leste, e derrubar aeronaves ucranianas em Donetsk, também no leste, e em Chernihiv, no norte do país, além de abater mísseis em Kherson, no sul. Nas áreas separatistas, os ucranianos, porém, também dizem ter repelido ataques.
Já a inteligência do Ministério da Defesa do Reino Unido avalia que, de ontem para hoje, "não houve nenhuma mudança significativa nas disposições das Forças Russas na Ucrânia ocupada". Os britânicos dizem que "a escassez logística contínua foi agravada por uma contínua falta de impulso e moral entre os militares russos e combates agressivos dos ucranianos".
Eles, porém, informam que os russos ganharam "mais terreno no sul, nas proximidades de Mariupol, onde a luta continua enquanto a Rússia tenta capturar o porto".
Mariupol, "à beira da catástrofe"
O prefeito da cidade portuária de Mariupol, Vadim Boichenko, disse hoje que a cidade, sitiada há várias semanas pelas forças russas, está "à beira de uma catástrofe humanitária" e deveria ser totalmente evacuada. Mariupol é alvo de intensos bombardeios desde o início do ataque russo.
Segundo ele, 160 mil civis estão cercados, sem eletricidade. Vinte e seis ônibus estão prontos para retirar os moradores, mas as forças russas se recusam a garantir a segurança da operação. O governo russo desmente com frequência que a ofensiva na Ucrânia vise civis e culpa as forças ucranianas pela impossibilidade de instaurar corredores humanitários em cidades sitiadas, como Mariupol.
O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou que conversaria com Putin nesta segunda ou terça (29) para organizar uma operação de retirada dos civis da cidade. Desde o início da guerra, em 24 de fevereiro, ele já conversou 8 vezes com Putin e acredita que o diálogo ainda é possível para parar o conflito.