Rússia fala em 'reduzir radicalmente atividade militar' na Ucrânia
MUNDO
Publicado em 29/03/2022

Após 34 dias de conflito e encontros com poucos resultados, russos e ucranianos deram um primeiro sinal que pode levar ao fim da guerra. Segundo o veículo de imprensa russo RT, o vice-ministro da Defesa da Federação Russa, Alexander Fomin, disse que "foi tomada a decisão de reduzir radicalmente a atividade militar nas direções de Kiev e Chernihiv". A declaração foi feita em Istambul, na Turquia, onde delegações dos dois países se reuniram hoje. 

Chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky também disse que "estamos dando dois passos para diminuir o conflito em direção à Ucrânia". 

A Ucrânia, por sua vez, propôs adotar posição de neutralidade em troca de garantias de segurança, o que significa que não se juntará a alianças militares, como a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), ou hospedará bases militares, disseram negociadores ucranianos nesta terça-feira. 

A proposta também inclui um período de consulta de 15 anos sobre o status da Crimeia, que foi anexada pela Rússia, e só poderia entrar em vigor no caso de um cessar-fogo completo, disseram os negociadores ucranianos a repórteres em Istambul. 

 

"Confiança mútua" 

Segundo Fomin, as negociações a respeito de neutralidade da Ucrânia foram um dos fatores que permitiram a decisão de reduzir a escala russa na Ucrânia "A fim de aumentar a confiança mútua e criar as condições necessárias para novas negociações e alcançar o objetivo final de concordar com a assinatura do acordo." 

Para Mendinsky, se um tratado for trabalhado rapidamente e um compromisso for firmado, a possibilidade de fazer a paz ficará mais próxima. A delegação russa, inclusive, sugeriu um encontro entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e ucraniano, Volodymyr Zelensky, caso seja feito o tratado entre os países; os ucranianos indicaram que ele é possível. Apesar do diálogo, hoje ainda houve registros de ataques pela Ucrânia. 

Mykhailo Podolyak, um dos negociadores da Ucrânia, disse que "a chave é o acordo sobre garantias de segurança internacional para a Ucrânia". "Somente com este acordo podemos acabar com a guerra, como a Ucrânia precisa", disse Podolyak.

 

Pontos em debate

Além da neutralidade da Ucrânia, a Rússia exige o reconhecimento da anexação da Crimeia e da soberania do Donbass, região onde ficam as autoproclamadas repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk. Essa é a questão mais espinhosa e será negociada de forma separada, segundo Podolyak. 

Hoje, antes do fim da reunião na Turquia, Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, disse, em Moscou, que, "em geral, as principais tarefas da primeira etapa da operação foram concluídas", em referência ao ataque à estrutura militar da Ucrânia. Ele também indicou que as áreas separatistas passaram a ser o foco. 

Em troca do compromisso de não aderir à Otan, Kiev insistiu que sua candidatura para entrar na União Europeia não pode ser bloqueada. O pedido já foi formalizado por Zelensky, mas ainda aguarda um parecer da Comissão Europeia para iniciar sua tramitação.

A Ucrânia também exige a instituição de um mecanismo internacional de garantias de segurança similar ao artigo 5 da Otan, que determina que um ataque a um membro da organização deve gerar uma resposta conjunta da aliança. 

Esse mecanismo prevê a formação de um grupo de países capazes de dar uma resposta dentro de 24 horas no caso de uma eventual agressão externa. Diversas nações já foram cotadas para esse instrumento, incluindo os membros do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), Alemanha, Canadá, Israel, Itália e Turquia. 

"Continuaremos nossas negociações com a Rússia, mas também envolveremos os países garantidores", explicou Podolyak 

 

Erdogan e Abramovich 

O oligarca russo Roman Abramovich —que está vendendo o clube de futebol Chelsea, da Inglaterra, em razão de sanções contra russos— também participou do encontro.

Os negociadores foram recebidos antes pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que pediu o "fim da tragédia" da ofensiva russa na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro. 

Abramovich —aliado do presidente russo, Vladimir Putin—, apareceu, em imagens, perto de Erdogan. Ele também foi visto com fones de ouvido, sentado em uma cadeira, perto da mesa com os principais membros das delegações dos dois países. 

Porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov disse que Abramovich não é um membro oficial da delegação russa nas negociações em Istambul, mas está envolvido em garantir os contatos entre Moscou e Kiev. Segundo Peskov, a participação do empresário foi aprovada por ambas as partes. 

"Roman Abramovich está envolvido em garantir certos contatos entre os lados russo e ucraniano. Ele não é um membro oficial da delegação —você sabe que nossa delegação é chefiada pelo assessor presidencial [Vladimir] Medinsky. também presente hoje em Istambul", disse Peskov a jornalistas, em Moscou. 

Para Erdogan, depende das duas partes "dar fim a esta tragédia" e "a prorrogação do conflito não interessa a ninguém". "O mundo inteiro espera boas notícias", afirmou aos negociadores no início da reunião.

As conversas aconteceram no Palácio de Dolmabahçe, em Istambul, a última residência no Bósforo dos sultões e que também foi a última sede administrativa do Império Otomano, que atualmente abriga escritórios da presidência turca.

 

Combustível no alvo

O Ministério da Defesa da Ucrânia, em seu relatório de hoje, apontou que os russos têm feito ataques a pontos de "armazenamento de combustíveis, a fim de complicar a logística e criar condições para uma crise humanitária". O Ministério da Defesa da Rússia confirmou um ataque que teve o objetivo de atingir uma "grande base de combustível". 

O serviço de emergências da Ucrânia relatou que, por volta das 21h de ontem (15h, em Brasília), um "ataque de mísseis" causou um incêndio em uma empresa que armazena combustível na região de Rivne, que fica a cerca de 340 quilômetros de Kiev, no oeste do país. Segundo o serviço, não houve derramamento de derivados de petróleo.

Em seu relatório de hoje, o Ministério da Defesa da Rússia disse que "mísseis de cruzeiro de alta precisão, lançados do ar, destruíram uma grande base de combustível perto da vila de Klevan, região de Rivne". "A partir desta base, o combustível era fornecido para equipamentos militares ucranianos nos subúrbios de Kiev". 

O governo ucraniano confirmou o ataque, dizendo que a Rússia "concentra-se no armazenamento de combustíveis, a fim de complicar a logística e criar condições para uma crise humanitária". "O inimigo continua lançando insidiosamente mísseis e bombardeios, tentando destruir completamente a infraestrutura e as áreas residenciais das cidades ucranianas." 

Hoje, em Mykolaiv, 600 quilômetros ao sul de Kiev, a sede do governo local, um prédio de nove andares foi atingido por um bombardeio, segundo o serviço de emergências do país. Ao menos sete pessoas morreram, segundo o serviço de emergências da Ucrânia. Ao menos 22 pessoas ficaram feridas. "A parte central do edifício, do primeiro ao nono andar, foi destruída", disse o órgão. 

Após não ter conseguido abrir rotas de evacuação de civis ontem por "provocações russas", o governo ucraniano conseguiu abrir três corredores humanitários nesta terça. 

 

Mísseis de Belarus 

Segundo o Ministério da Defesa da Ucrânia, dois mísseis foram disparados ontem (28), a partir de Belarus, país vizinho, tendo como alvo a cidade de Lviv, cidade que fica perto da fronteira ucraniana com a Polônia. A informação não pôde ser verificada com fontes independentes. 

"Os alvos foram detectados e destruídos por forças de mísseis antiaéreos em tempo hábil a uma distância de cerca de 30 quilômetros do centro regional", disse o ministério. 

 

"Ameaça significativa" 

A inteligência do Ministério da Defesa do Reino Unido disse, nesta terça, que "as forças ucranianas continuaram a realizar contra-ataques localizados ao noroeste de Kiev", citando as cidades de Irpin, Bucha e Gostomel. "Esses ataques tiveram algum sucesso e os russos foram afastados de várias posições." Os britânicos, porém, disseram que ainda há riscos para a capital ucraniana.

"No entanto, a Rússia ainda representa uma ameaça significativa para a cidade [Kiev] por causa de sua capacidade de ataque."

O Ministério da Defesa da Ucrânia disse hoje que "nota a retirada de certas unidades das forças armadas da Federação Russa do território das regiões de Kiev e Chernihiv", também citando a região no norte do país.

Segundo a análise do Reino Unido, as "forças russas mantiveram sua ofensiva em Mariupol, com bombardeios contínuos" na cidade portuária. "Mas o centro permanece sob controle ucraniano." Os britânicos dizem que, "em outros lugares, as forças russas estão mantendo posições de bloqueio enquanto tentam reorganizar e redefinir suas forças." 

As autoridades ucranianas ainda acreditam que a Rússia quer tomar Kiev e descartam a ideia de que o governo russo se concentrará na região leste. "Capturar Kiev é equivalente a capturar a Ucrânia. E esse é o objetivo deles", disse a vice-ministra da Defesa ucraniana, Ganna Malyar, que avaliou que a Rússia "está tentando romper o corredor ao redor de Kiev e bloquear as rotas de transporte". 

 

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