Viktoria descreve como sua filha e seu marido foram mortos na frente dela enquanto fugiam das forças russas.
Viktoria Kovalenko se lembra claramente daquele momento.
"Houve uma explosão, ou algum tipo de tiro. Fiquei surda. O vidro traseiro quebrou. Meu marido gritou: 'Saia do carro'."
O horror daquele dia é quase inimaginável.
O relato abaixo contém detalhes que podem ser perturbadores.
Nove dias de guerra na Ucrânia, enquanto os combates se intensificavam, Viktoria e seu marido Petro decidiram fugir de Chernihiv, no norte do país. Eles queriam manter as crianças seguras. Veronika, de doze anos, era filha de Viktoria de seu primeiro casamento. Sua outra filha, Varvara, tem apenas um ano.
Eles pegaram o que precisavam e foram embora da casa da família. Ao deixarem os arredores da cidade, em direção ao sul, perto da vila de Yahidne, pedras na estrada bloquearam seu caminho. Petro parou, desceu e começou a tirá-las do caminho.
Segundos depois, o carro deles foi alvejado.
"Minha filha mais velha, Veronika, começou a chorar, porque minha cabeça havia sido cortada por um pedaço de vidro que havia voado e eu estava sangrando", diz Viktoria. Enquanto ela fala, aponta para um ponto alto em sua bochecha esquerda, com uma pequena cicatriz vermelha.
"Veronika começou a gritar, suas mãos tremiam, então tentei acalmá-la. Ela saiu do carro e eu fui atrás. Ao sair, eu a vi cair. Quando olhei, a cabeça dela tinha sumido.
O carro foi atingido por um projétil russo e pegou fogo.
"Tentei manter a calma, estava segurando minha filha pequena e precisava levá-la para um lugar seguro."
Ela não viu Petro novamente, mas seu silêncio disse a Viktoria que seu marido também estava morto.
Ela correu do carro em chamas. As próximas 24 horas foram uma tentativa desesperada de permanecer viva.
Viktoria e sua bebê, Varvara, encontraram abrigo em um carro estacionado, mas o tiroteio recomeçou. Ela correu para um pequeno prédio que claramente tinha sido usado por soldados. Escondida lá, seu telefone desligado para economizar bateria, ela se perguntou como manteria a si mesma e sua filha seguras.
No dia seguinte, elas foram descobertas por tropas russas. Foram levadas para uma escola em Yahidne e mantidas em cativeiro no porão.
Mãe e bebê passaram os 24 seguintes dias lá, em condições terríveis. Viktoria viu pessoas morrerem ao seu redor, incapazes de acessar os cuidados médicos de que precisavam.
A BBC visitou o porão e conversou com outras pessoas que ficaram detidas lá. Elas descrevem que corpos ficaram lá, sem serem recolhidos, por horas, às vezes dias.
Havia 40 pessoas na sala, diz Viktoria, com pouco espaço para se movimentar ou andar. Como não havia luz, usavam-se velas e isqueiros. O ambiente era empoeirado e quente, e Viktoria diz que as pessoas tinham dificuldade para respirar. Na maioria das vezes, os reféns não tinham permissão para sair nem para usar o banheiro. Em vez disso, foram obrigados a usar baldes.
"A falta de movimento deixava as pessoas doentes - sentavam nas cadeiras, dormiam nas cadeiras. Dava para ver as veias e começaram a sangrar, então fizemos curativos", lembra Viktoria.
Foi nessas condições que Viktoria teve que processar mentalmente a perda brutal de seu marido e de sua filha mais velha. Ela me disse que permaneceu o mais calma e determinada possível, concentrando toda sua energia em salvar a vida de sua filha sobrevivente.
Mas ela pediu a seus captores russos que trouxessem os corpos de Petro e Veronika para a escola, para que ela pudesse enterrá-los.
Ela enviou seu ex-marido, pai de Veronika, para os destroços do carro para que ele pudesse tirar fotos dos restos mortais. Eles são quase irreconhecíveis como humanos.
Quase nada restou do veículo incendiado: algumas roupas de Veronika, furadas e manchadas de fuligem; uma pequena pulseira com um pingente em forma de coração; duas placas de carros, desbotadas pelo calor feroz das chamas.
Viktoria se lembra do dia em que os corpos chegaram.
"Era 12 de março. Eles me ligaram e disseram: 'Vamos, e você vai ver onde eles vão se deitar.' Eles foram enterrados na floresta, em duas covas, uma caixa maior, outra menor, e duas cruzes com placas.
"Ficamos e começamos a cobrir as caixas com terra, mas o bombardeio começou, então fugimos antes de terminar de enterrá-las. Foi muito assustador."
Eu pergunto a Viktoria o que ela diria para as pessoas que fizeram isso com sua família.
"Se me dessem a possibilidade de atirar em Putin, eu o faria", ela responde. "Minha mão não tremeria."
Agora Viktoria e Varvara estão em relativa segurança de Lviv, no oeste da Ucrânia. Um dia antes de nos encontrarmos, ela teve sua primeira sessão com um psicólogo. "Quando estou com as pessoas, quando faço algo e me comunico, esqueço o que aconteceu. Mas quando estou sozinha, estou perdida."
Enquanto ela fala, as lágrimas caem.
Ela me mostra um chaveiro - uma vaquinha com um coração no peito. Foi um presente de Veronika.
Com ele, está um pequeno anel de ouro, gravado com letras.
"Isso foi da igreja, ela comprou para mim também. É um amuleto, sinto que me salvou. Estava no meu bolso. O tempo todo, ela estava lá me protegendo."