A investigação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), contra oito empresários que emitiram opinião contra o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um grupo privado de WhatsApp completa 100 dias, neste dia 2 de dezembro. O processo, que já conta com mais de 90 petições apresentadas, inclusive com pedido de arquivamento pela Procuradoria-Geral da República, segue em sigilo, sem novidades e nenhuma decisão do relator. A tese de Moraes, ainda sem comprovação, é que os empresários fariam parte de uma organização criminosa com o objetivo de realizar um golpe e atentar contra as instituições democráticas. A hipótese teria sido usada para fundamentar operação policial de busca e apreensão contra os empresários e outras medidas como bloqueio de contas e das redes sociais.
“A ação está injustamente parada, não tem muito o que fazer, já apresentamos vários pedidos que estão nas mãos do ministro e não sabemos quais providências ele irá tomar. O recesso é logo mais e assim vai continuar empurrando pela barriga”, disse um dos advogados que prefere não se identificar a pedido de um dos empresários envolvidos.
O empresário Luciano Hang, dono da lojas Havan, disse à Gazeta do Povo que continua sendo “censurado” com o bloqueio das suas redes sociais no Brasil, que contam com mais de 12 milhões de seguidores.
“Fiquei chocado com a decisão, não entendo como uma pessoa pode ter seus direitos de liberdade de expressão e de opinião tomados. Tenho a consciência tranquila de que sempre agi dentro da legalidade. Hoje sou eu, amanhã pode ser você”, disse Hang.
Hang lamentou o rumo da ação e a censura imposta às outras pessoas. “Quem perde é a sociedade, afinal a pluralidade de opiniões é o que dá luz à democracia”, declarou.
Sobre o que vem sendo feito pela defesa para reverter a decisão, o empresário informou que foram apresentados todos os recursos possíveis. “Tudo o que estava ao alcance, com fundamento na lei, minha equipe jurídica fez. Desde quando ocorreu o bloqueio das redes, o corpo jurídico fez os encaminhamentos que eram cabíveis, estando ainda pendente de análise [de Moraes]”, explicou Hang.
Fase de inquérito
O inquérito segue em total segredo e sem nenhuma decisão por parte do ministro Alexandre de Moraes. Como o processo é sigiloso, o STF também não entra em detalhes e nem dá informações sobre o trâmite ou acesso aos autos. Pelo andamento do processo no site do STF, a última movimentação é um despacho de 25 de novembro. Em reportagem publicada no dia 14 de setembro, a Gazeta do Povo apontou pelo menos 12 aberrações jurídicas do inquérito contra empresários.
O empresário José Koury, dono do shopping Barra World, no Rio de Janeiro, que já teve as redes sociais estabelecidas, esperava que o processo teria um novo andamento após as eleições, o que não ocorreu. “A grande mudança foi que as eleições foram realizadas, e o inquérito continua na mesma”, disse.
Falta de provas e acesso a autos em papel
Os advogados de defesa já reclamaram que, além da falta de provas, da irregularidade de abertura de ofício e da demora incomum da tramitação do inquérito, existe a dificuldade para ter acesso aos autos: só se podem obter os documentos do processo presencialmente, no gabinete do ministro em Brasília, e em papel.
No início de setembro, a defesa do Luciano Hang protocolou no STF uma petição de agravo regimental para tentar suspender a decisão de Moraes em relação às redes sociais bloqueadas. O advogado de Hang, Murilo Varasquim, informou que o pedido sequer foi analisado pelo relator e nada mudou até o momento. "Não temos novos andamentos e não houve decisão sobre o nosso agravo regimental. Estamos tentando agendar um horário com o ministro Alexandre de Moraes", disse.
Na petição, a defesa afirmou que "todos os supostos envolvidos são empresários, não havendo um elemento sequer que justifique a investigação, processamento e julgamento pelo STF".
"A liberdade de expressão não comporta controle prévio. O direito à privacidade e intimidade só pode ser violado quando há algum indício de prática de algum crime, e as mensagens obtidas no grupo não demostram qualquer tipo de ato antidemocrático", explicou a defesa no documento.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) permanece em silêncio sobre o caso, sem ter emitido um posicionamento sobre as ações do STF contra os empresários. A entidade disse, apenas, que tem atuado para garantir o pleno exercício da advocacia e a concretização do direito de acesso aos autos no STF.
Na última quarta-feira, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, enviou um ofício a Alexandre de Moraes pedindo que fosse liberado acesso integral aos autos processuais. Por meio de um despacho encaminhado à OAB, Moraes alegou que "todos os pedidos" citados pela Ordem nos inquéritos foram analisados e respondidos, e que ele assegura o acesso amplo aos elementos de prova. As declarações do ministro foram contestadas por advogados de defesa, mas a OAB apenas insistiu à reportagem da Gazeta do Povo que Moraes já havia respondido aos questionamentos feitos.
Relembre o caso
A operação de busca e apreensão contra os empresários, realizada no dia 23 de agosto, foi determinada sem a notificação da Procuradoria-Geral da República (PGR), ao contrário do que prevê a legislação. Além dos mandados de busca e apreensão, Moraes também determinou o bloqueio de redes sociais e a quebra de sigilo bancário dos empresários.
A última decisão do relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, ocorreu no dia 23 de setembro, mas em segredo de justiça. No dia 14 de setembro, Moraes desbloqueou as contas bancárias dos investigados e negou a transferência do processo do STF para a Justiça Federal em Brasília. O pedido havia sido apresentado pela defesa de Luciano Hang, com o argumento de que os empresários não deveriam ser investigados no STF por não terem foro privilegiado.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já pediu duas vezes o arquivamento do inquérito, mas Moraes rejeitou os pedidos. A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, apontou irregularidades na condução da apuração, como a chamada pesca probatória (investigar alguém sem provas consistentes). Mesmo assim, Moraes se recusou a atender o pedido.
No dia 26 de setembro, um grupo de delegados aposentados da Polícia Federal pediu a instauração de inquérito policial no Ministério Público Federal (MPF) para apurar a ocorrência de crimes de abuso de autoridade por parte do ministro Alexandre de Moraes na ação contra os empresários. A medida ainda não teve prosseguimento.