JERUSALÉM — O sol estava nascendo no Mar Mediterrâneo em uma manhã recente quando a tripulação de um navio cargueiro iraniano ouviu uma explosão. A embarcação, o Shahr-é-Kord, estava a cerca de 80 km da costa israelense, e, da ponte de comando, viram uma coluna de fumaça subindo de alguns contêineres no convés. A companhia de navegação estatal iraniana disse que o navio seguia para a Espanha, e chamou a explosão de “ato terrorista”.
Mas o ataque no Shahr-é-Kord, este mês, foi apenas um dos últimos disparos em um longo conflito entre Israel e o Irã. Um funcionário do governo israelense afirmou que essa foi uma retaliação a um ataque iraniano contra um cargueiro de Israel semanas antes.
Desde 2019, Israel vem atacando navios levando petróleo e armas iranianas nos mares Mediterrâneo e Vermelho, abrindo uma nova frente marítima em um conflito regional “encoberto” que previamente foi travado por ar e por terra.
O Irã parece ter respondido através de seus ataques clandestinos. O último ocorreu na quinta-feira, quando um navio de contêineres israelense, o Lori, foi atingido por um míssil iraniano no Mar da Arábia, disse um funcionário do governo de Israel. Não houve vítimas ou danos significativos.
Guerra secreta
A campanha israelense, confirmada por fontes americanas, de Israel e do Irã, se tornou uma marca nos esforços israelenses para minar a influência militar iraniana no Oriente Médio, além de limitar os esforços de Teerã para evitar as sanções dos EUA contra sua indústria petrolífera.
Mas a expansão do conflito eleva os riscos desse “toma lá, dá cá” militar, e complica os esforços do governo Biden a persuadir o Irã para reintroduzir os limites ao seu programa nuclear, de forma a receber o alívio das sanções.
— É uma guerra fria que pode se tornar quente com um simples erro — declarou Ali Vaez, diretor do programa do Irã no centro de pesquisas International Crisis Group. — Ainda estamos em uma espiral de escalada que corre o risco de sair de controle.
Desde 2019, forças israelenses atacaram pelo menos 10 navios que levavam carga iraniana, de acordo com fontes no governo americano e de Israel. O número real de navios atingidos pode ser superior a 20, segundo o Ministério do Petróleo do Irã, além de um conselheiro ministerial e um negociante do setor petrolífero.
Os ataques foram primeiro relatados pelo Wall Street Journal.
Em sua maior parte, os navios estavam levando combustível do Irã para sua aliada Síria, e dois deles traziam equipamentos militares, de acordo com fontes nos governos americano e israelense. Outros funcionários afirmaram ainda que o Shahr-é-Kord levava armamentos para a Síria.
O governo israelense não quis comentar.
A extensão da resposta iraniana ainda é incerta. A maior parte dos ataques é realizada de forma clandestina, sem declarações públicas de responsabilidade.
Esse conflito secreto vem se intensificando nos últimos anos. O Irã arma e financia milícias ao redor da região, notadamente na Síria, Iraque, Iêmen, Faixa de Gaza e Líbano, onde apoia o Hezbollah, uma milícia xiita e um movimento político que é um longevo inimigo de Israel.
Israel tentou conter o poder do Irã ao lançar ataques regulares contra os envios iranianos por terra e ar, além de outras formas de transporte de cargas para a Síria e o Líbano. Esses ataques tornaram essas rotas perigosas, e fizeram com que alguns desses transportes passassem a ser feitos pelo mar.
Acordo nuclear
Essa dinâmica complica os já frágeis esforços do governo Biden para reconstruir o acordo nuclear de 2015, que impunha limites ao programa de enriquecimento nuclear do Irã em troca do alívio das sanções. O ex-presidente Donald Trump abandonou o acordo em 2018, retomando as sanções e impondo algumas novas.
— Isso eleva o preço político que o governo Biden deve pagar para dar aos iranianos qualquer tipo de medida econômica — afirmou Vaez. — Se o Irã está engajado neste tipo de “toma lá, dá cá” com Israel, ao mesmo tempo em que coloca pressão sobre a presença dos EUA na região, isso dificulta muito a retomada do acordo.
Analistas apontam que o Irã quer continuar alfinetando Israel e apoiando seus aliados no Oriente Médio, permitindo cercar Israel com parceiros bem armados e dar ao Irã uma mão mais pesada em futuras negociações nucleares.
As lideranças israelenses acreditam que o acordo anterior não era suficiente, e querem atrapalhar as chances de ressuscitar um pacto semelhante. Um funcionário do governo disse que os ataques eram parte de uma estratégia mais ampla de forçar o Irã a aceitar novos e mais amplos limites às suas ambições nucleares, assim como restrições ao programa de mísseis balísticos e milícias regionais.
Essa campanha, como o New York Times relatou anteriormente, incluiu um ataque contra uma instalação nuclear em julho do ano passado, e o assassinato do principal cientista nuclear iraniano em novembro. Israel não assumiu a responsabilidade pelos atos.
A ofensiva contra os navios de carga iranianos tinha dois objetivos, segundo analistas e funcionários de governos. O primeiro era prevenir que Teerã mandasse equipamento para o Líbano, onde seria usado pelo Hezbollah em um programa de desenvolvimento de mísseis de precisão, vistos por Israel como uma ameaça estratégica.
O segundo é secar uma importante fonte de verbas obtidas com a venda de petróleo do Irã, intensificando a pressão já aplicada pelas sanções americanas. Depois que as medidas foram aplicadas contra a indústria petrolífera, em 2018, o governo iraniano depende cada vez mais de envios clandestinos.