Um grupo de 16 entidades religiosas deve R$ 1,6 bilhão em impostos, segundo levantamento da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) obtido pelo UOL por meio da Lei de Acesso à Informação.
O volume de débitos representa 81% de todas as dívidas de 9.230 instituições evangélicas, católicas, espíritas e islâmicas devedoras em todo o país.
Neste grupo, nenhuma entidade deve menos de R$ 20 milhões. Fazem parte da lista entidades comandadas por figurões evangélicos aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que atuou pelo perdão a dívidas tributárias de igrejas.
As igrejas não pagam impostos no Brasil. No entanto, quando a Receita Federal descobre que atuaram com fraude, como se fossem empresas, elas são taxadas com imposto de renda e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).
Uma das fraudes descobertas pelos fiscais era pagar bônus de arrecadação para pastores. Isso significa distribuição de lucros, o que não é admitido pelo Fisco para uma instituição sem fins lucrativos.
Além disso, as igrejas pagam impostos e obrigações ligados à folha de pagamento de seus funcionários, como contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), imposto de renda retido na fonte e multas trabalhistas.
"Pequeno Príncipe"
Quem lidera o ranking é o Instituto Geral Evangélico, que deve R$ 526 milhões em Fundo de Garantia, imposto de renda, contribuições ao INSS e Cofins. A instituição aparece com endereço no Rio de Janeiro, mas seu presidente, o publicitário José Augusto Cavalcanti Wanderley, vive em Petrópolis.
Lá, dirige uma fazenda cujo site o define como "o homem que distribui esperança". A propriedade rural era frequentada pelo escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), motivo pelo qual hoje é dedicada ao livro "O Pequeno Príncipe".
O UOL deixou recados com uma funcionária da fazenda e com uma senhora que aparece como responsável pelo local nos cadastros da Receita. A reportagem ainda enviou mensagens para o celular e o email de Wanderley por duas semanas, mas ele não respondeu.
Fraude em nome de funileiro
Em segundo lugar está a igreja Ação e Distribuição. Oficialmente, a instituição foi registrada em 2004 em nome de um funileiro aposentado de 58 anos de Cotia (SP). Ele faleceu oito meses depois. Mas, segundo a Polícia Federal, a entidade nem sequer existiu. Uma academia de ginástica funciona no local registrado como sua sede.
Investigação do Ministério Público aponta que, na verdade, as contas da instituição religiosa eram controladas pelo economista Wagner Renato de Oliveira.
A Ação e Distribuição movimentou R$ 400 milhões entre 2005 e 2009. Em 2012, Oliveira foi preso pela PF na "Operação Lava Rápido". Doente com câncer, ele ficou em prisão domiciliar, mas morreu antes de seus processos criminais terminarem.
A Ação e Distribuição foi autuada pela Receita Federal por fraude. Até hoje, deve R$ 388 milhões em imposto de renda, CSLL, Pis e Cofins. O UOL tentou contato com familiares de Oliveira e advogados dele. Ninguém sabe quem será responsável por quitar a dívida.
Homem do chapéu vendeu feijão 'milagroso'
Em terceiro no ranking de devedoras vem a Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago. A instituição possui 42 inscrições de débitos, como multas trabalhistas, Fundo de Garantia, imposto de renda, PIS e débitos previdenciários. A igreja do pregador que gosta de usar chapéus de boiadeiro deve R$ 153 milhões, segundo a PGFN.
Num processo na Justiça, o juiz Mário Roberto Veloso afirmou que Valdemiro recebeu R$ 1,2 milhão da igreja no ano passado. "Há fortes indícios de que a igreja esteja transferindo seu patrimônio a Valdemiro", continuou. Ao colunista do UOL Rogério Gentile, a igreja afirmou que as acusações "são apenas suposições construídas pela mídia".
Valdemiro chegou a vender feijões que, segundo ele, curariam a covid-19. Por ordem da Justiça, o Ministério da Saúde desmentiu a publicidade do religioso.
A reportagem do UOL procurou a Igreja Mundial por telefone e email para tratar das dívidas tributárias. O ex-deputado José Olímpio Moraes (DEM-SP) afirmou que comunicaria Valdemiro sobre o caso no domingo (26). Não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
R.R. Soares reduziu a dívida
Na quarta posição, fica a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por Romildo Ribeiro Soares, o missionário R.R. Soares.
A instituição reduziu débitos neste ano. Eram R$ 162 milhões em fevereiro. Agora, segundo os dados mais atualizados, de maio, os tributos devidos são de R$ 84 milhões, pois uma dívida previdenciária não existe mais.
R.R. Soares é pai do deputado David Soares (DEM-SP), que articulou com Jair Bolsonaro emenda a um projeto no Congresso para perdoar dívidas das instituições religiosas. Essa medida passou a valer em março, depois que o Congresso derrubou um veto incentivado pelo próprio presidente.
Segundo estudo da Receita Federal obtido pelo UOL, a lei aprovada no Congresso impediria a cobrança de R$ 221 milhões em dívidas CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e, além disso, impediria a cobrança de mais R$ 1,4 bilhão entre 2021 e 2024.
Auditores ouvidos pela reportagem lembram que a medida de perdão de débitos pode se aplicar ainda às cobranças de imposto de renda.
Igreja do reverendo Moon
Em quinto lugar entre os devedores está a Igreja da Unificação, do falecido reverendo Moon. Em 2002, a Polícia Federal fez busca e apreensão na instituição. O objetivo da batida era a "apuração de crimes de sonegação fiscal, de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro, supostamente praticados pela Associação das Famílias para a Unificação e Paz Mundial, conhecida como seita de Sun Myun Moon ou Reverendo Moon", informou a Justiça Federal à época. Não se sabe o desfecho da investigação.
Hoje, a igreja é comandada pelo pastor Koichi Sasaki e deve R$ 70 milhões em impostos. O UOL telefonou e enviou mensagens para o pastor Sasaki, pediu informações por email à igreja, mas ninguém prestou esclarecimentos.
Igreja que vê "república do ódio" deve R$ 40 milhões
A Igreja Renascer em Cristo, do apóstolo Estevam Hernandes, deve R$ 40 milhões. São 79 anotações de débitos como imposto de renda retido na fonte dos funcionários, Previdência, multas trabalhistas, PIS, salário-educação e contribuições ao sistema "S".
Organizador da Marcha para Jesus, Estevam foi preso em 2007 nos Estados Unidos após ser condenado por contrabando de dinheiro e conspiração. Ele foi para a detenção domiciliar no ano seguinte e voltou ao Brasil. Apoiador de Bolsonaro, já disse que o país vive na "república do ódio".
O UOL procurou a igreja Renascer por meio da assessoria de imprensa. Ninguém atendeu aos telefonemas nem respondeu os emails da reportagem.