Neuralink - Pager, o macaco
TECNOLOGIA
Publicado em 19/05/2021

A empresa de implantes neuronais de Elon Musk, a Neuralink, lançou recentemente um vídeo de um primata com a tecnologia de ligação animal-máquina implantada no cérebro.

Protagonista é Pager, um macaco.

 

Na primeira parte do vídeo, o macaco Pager tem um joystick com o qual interage com um ecrã enquanto o implante cerebral descarrega e analisa as suas ondas cerebrais (minuto 1:25). Na segunda parte do vídeo (2:16), Pager joga a Pong (uma espécie de ténis muito primitivo) usando simplesmente a sua mente, sem joysticks ou qualquer outra forma de controlo que não seja o chip ligado ao sistema nervoso central.

Obviamente este vídeo levantou importantes questões sobre a privacidade, a propriedade dos dados e a ética biomédica. Há o lado “bom” e há o lado muito menos “bom”. Como sempre.

Simples entender o lado “bom”: pensemos nas possíveis aplicações terapêuticas dos chips cerebrais para aqueles com problemas de movimento, de memória, de comunicação. Os chips cerebrais prometem avanços espectaculares, que até poucos anos atrás pertenciam apenas ao mundo da ficção científica. Antes de dizer “os chips cerebrais são maus” pensamos nisso.

E o lado menos “bom”? Comecemos com a utilização generalizada dos chips cerebrais no futuro. Os dados neurológicos recolhidos como parte de uma experiência ou tratamento médico são protegidos por regulamentos como o HIPAA, o Health Insurance Portability and Accountability Act de 1996, o estatuto federal dos EUA criado para modernizar o fluxo de informação sobre os cuidados de saúde, estabelecendo que a informação pessoalmente identificável mantida pelas indústrias de cuidados de saúde e seguros de saúde deve ser protegida contra fraude e roubo.

Mas além disso não existem barreiras legais que impeçam a uma empresa como Neuralink de recolher e vender dados cognitivos através de um implante neural: que, portanto, torna-se uma versão mais invasiva das técnicas de marketing utilizadas por Facebook que, como sabemos, monetiza os dados recolhidos. Sem uma regulamentação adequada, os pensamentos mais íntimos e os dados biométricos poderiam ser vendidos a quem apresentasse a melhor oferta. E isso pode não ser simpático.

Um implante neural capaz de fazer isso ainda está longe no futuro: mas não está demasiado longe e Pager é a demonstração de que as empresas tecnológicas estão a mover-se naquela direcção.  Mais uma vez, a tecnologia pode ultrapassar os regulamentos destinados a proteger o público, mexendo-se num vazio legislativo. E isso tem que preocupar porque, sem surpresa, a expressão “implantes neuronais” rima com “multinacionais”.

As empresas que estão na linha da frente neste campo de pesquisa são a citada Neuralink (parte do projecto Open AI) e a DeepMind. Neuralink e Open AI foram fundadas por Elion Musk e o projecto vê a participação activa da Microsoft; doutro lado, DeepMind é uma subsidiária de Alphabet, cujo nome significa Google. Se o lado “bom” dos implantes neuronais não pode ser posto em discussão, também sabemos que estas multinacionais têm uma agenda que vai muito além das meritórias aplicações terapêuticas. Para evitar problemas no futuro, não seria mal começar a tratar já dos outros aspectos também porque este “futuro” poderia não ser particularmente distante.

Por exemplo: de acordo com Musk, os ensaios de Neuralink em humanos deverão começar no final deste ano. Embora não tenham sido divulgados detalhes, é lógico imaginar que estes ensaios fiquem baseados em progressos anteriores, talvez ajudando pacientes com lesões vertebrais a caminhar novamente. Algo hoje possível porque a investigação neuro-científica conseguiu ultrapassar alguns obstáculos como, por exemplo, a ligação física do implante com fios.

Disse Musk em 2019:

Penso que é importante para nós abordarmos as doenças relacionadas com o cérebro. Quer seja um acidente ou congénito ou qualquer tipo de distúrbio cerebral ou uma desordem espinal, se conhecemos alguém que tenha partido o pescoço ou partido a coluna vertebral, podemos resolver isso com um chip, e isto é algo que penso que a maioria das pessoas ainda não compreende bem.

Louvável, nada a dizer. Louvável se a coisa parasse por aqui.

Mas Musk prevê um futuro onde o chip será acessível ao público em geral para uso recreativo. O utilizador descarregaria a aplicação Neuralink no seu telemóvel, o que lhe permitiria ter controlo sobre um “dispositivo iOS, teclado e rato directamente com a actividade do seu cérebro, só pensando nisso”. Faz sentido: Neuralink e DeepMind são empresas privadas, constantemente à procura do lucro que, neste caso, pode ser enormemente amplificado distribuindo os chips entre a população para fins práticos  e recreativos.

 

Neste aspecto, as aplicações terapêuticas poderão ser utilizadas como um Cavalo de Tróia: ao demonstrar a indiscutível bondade dos chips neuronais em presença de doenças, será facilitada a aceitação por parte das massas. E é aqui que as coisas tornam-se um pouco mais complicadas…

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