A Argentina será a anfitriã hoje de uma cúpula latino-americana sobre o clima. A ausência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na reunião beneficia a estratégia do presidente argentino, Alberto Fernández, de ocupar o vácuo deixado pelo Brasil como líder da região na questão ambiental e, por essa via, aproximar-se do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
A cúpula latino-americana será uma prévia da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-26) que, entre 31 de outubro e 12 de novembro, reunirá os líderes mundiais em Glasgow, na Escócia. Alberto Fernández vai conduzir a reunião virtual, intitulada "Diálogo de Alto Nível sobre Ação Climática nas Américas", no Museu do Bicentenário da Casa Rosada, sede do governo argentino.
O objetivo anunciado da reunião é promover o diálogo para enfatizar a urgência de uma ação climática nas Américas, para impulsionar a arquitetura de mecanismos inovadores na implementação de ações e para incentivar a cooperação no continente. Ao longo de cinco painéis, o encontro terá a participação dos presidentes de Colômbia, Costa Rica, Panamá, Paraguai e República Dominicana, da primeira-ministra de Barbados, do enviado especial dos Estados Unidos para o Clima, John Kerry, do secretário-geral da ONU, António Guterres, além dos ministros do Meio Ambiente de Argentina, Chile, Colômbia e Panamá.
A ausência do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, é a mais visível, mas também a mais previsível. Longe de esvaziar a reunião, o vácuo deixado pelo Brasil é propício para o objetivo da Argentina de ocupar esse espaço como interlocutor entre a região e os líderes mundiais. Fernández espera que o encontro seja um trampolim para um encontro bilateral com Joe Biden.
Crédito em troca de ação climática A reunião começou a ganhar forma em 14 de maio passado, quando Fernández propôs a ideia de uma conferência regional sobre mudanças climáticas ao americano John Kerry durante um encontro bilateral que tiveram em Roma.
Naquele momento, o argentino traçou uma estratégia que une as suas necessidades domésticas de financiamento com o objetivo da comunidade internacional de preservação ambiental: a troca de dívida por ações de preservação do meio ambiente.
"Expus a John Kerry que deveríamos pensar em formas de financiamento para os países que abordarem as mudanças climáticas. Isso poderia envolver países devedores aos que os Estados Unidos, em vez de darem recursos financeiros, poderiam reduzir as suas dívidas", explicou Fernández na ocasião.
A conversa entre o presidente argentino e o enviado do governo de Joe Biden também teve como assunto uma forma de envolver o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, no compromisso de proteção ao meio ambiente. Kerry sublinhou esse aspecto geopolítico sobre o Brasil.
"O presidente [Alberto Fernández] está muito interessado em ajudar os países da América Latina e a sua liderança no assunto climático é bem-vinda. Esperamos poder trabalhar com Bolsonaro para progredirmos", disse Kerry.
Argentina quer liderar a região
A questão climática é uma janela de oportunidade que a Argentina encontrou para se tornar referência na América Latina, aproveitando o desprezo do governo brasileiro pela matéria. Fernández levanta a bandeira do meio ambiente, temática ainda desconhecida para os argentinos. Ele procura liderar a agenda climática na região em oposição a Bolsonaro, em franco descrédito perante as potências mundiais.
Em 21 e 22 de abril passados, durante a Cúpula Ibero-americana e a Cúpula de Líderes sobre o Clima, promovida por Biden, o argentino associou a questão ambiental com as suas necessidades internas de dinheiro.
"Crédito aos países em desenvolvimento, incorporando elementos de ação climática aos beneficiados e estabelecendo uma relação virtuosa entre alívio financeiro e cuidado ambiental", propôs Fernández na reunião ibero-americana. "Pagamentos por serviços ecossistêmicos e trocas de dívida por ação climática", acrescentou o líder argentino na Cúpula de Líderes sobre o Clima.
Aproximação com Biden
A Argentina procura aprofundar o seu diálogo com Washington no contexto da sua necessidade de um acordo financeiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os Estados Unidos são o principal sócio do FMI e único país com poder de veto sobre acordos.
Se o ex-presidente Donald Trump representava distância para o governo argentino, Joe Biden oferece uma chance de aproximação, exatamente o contrário do que representa para o Brasil.
"A Argentina que ocupar esse vácuo que o Brasil deixou.
Com um bom olfato político, Fernández aproveita os foros internacionais para se posicionar", explica à RFI o analista internacional argentino Raúl Aragón.
Limites internos à liderança regional
A força de projeção internacional do presidente argentino pode, no entanto, ser limitada devido à sua acelerada perda de popularidade interna, apontada por todas as pesquisas de opinião. A queda é dramática: a aprovação às ações de Fernández passou de cerca de 70% em abril de 2020 a aproximadamente 25% em agosto de 2021.
"Nesse cenário, é irrelevante se Fernández quer ou não ser um líder ambientalista. As aspirações de liderança ambiental de Fernández não têm nenhum aval na atual realidade argentina", avalia à RFI o ex-chanceler Jorge Faurie (2017-2019).