Vídeo de Lula defendendo fechamento de igrejas foi editado
MUNDO
Publicado em 03/10/2022

Um vídeo do candidato à Presidência da República e ex-presidente Lula (PT) foi editado para parecer que ele teria manifestado ser contra igrejas, padres e pastores. A gravação sofreu cortes que tentam alterar o sentido das falas do petista.

Projeto Comprova, criado por jornalista para combater a desinformação, encontrou o vídeo original, gravado em 20 de agosto, durante o lançamento da campanha de Lula, no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo.

O conteúdo investigado pelo Comprova foi um vídeo com trecho de Lula discursando no dia 20 de agosto deste ano durante um comício no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. Sob o vídeo, aparecem duas frases. Na primeira, é possível ler os termos “Lula fala sobre o fim das igrejas”. A segunda diz que “ele quer dizer que não vai ter mais padres e pastores (sic) isso sim é comunismo”, se referindo ao que Lula dizia no discurso.

Para o Comprova, o conteúdo é enganoso quando é retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O discurso completo do político tem cerca de 35 minutos. A fala utilizada na peça de desinformação inicia-se aos 14 minutos. Comparando os dois vídeos, o Comprova identificou trechos cortados e alterados na tentativa de dar outro sentido ao que Lula falou.

No discurso sem edições, o petista defende o Estado laico, que já é garantido pela Constituição Federal, diz ser “um homem que crê em Deus” e critica a participação da igreja e de líderes religiosos na política nacional. Em nenhum momento, entretanto, Lula fala sobre fechar igrejas.

 

Na rede social Kwai, o vídeo com maior alcance encontrado pelo Comprova teve, até o dia 29 de setembro, 436,3 mil visualizações, 13,9 mil curtidas e 5 mil comentários.

O Comprova entrou com o autor do post por meio de mensagem no Kwai, mas não obteve resposta.

Vídeo corta trechos do discurso de Lula

Se comparados o vídeo enganoso e o discurso completo de Lula, fica perceptível que cortes foram feitos para tentar alterar o sentido das falas do petista.

Confira a transcrição do vídeo enganoso:

Quero dizer duas coisas pra vocês. Coisas que eu acredito. E quero dizer olhando nos olhos de vocês, porque tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo para custar (sic) da fé ou da espiritualidade. E eu quero dizer para vocês, eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo o Estado laico. O Estado não tem que ter religião. Todas religiões têm que ser defendidas pelo Estado. E eu falo isso com a tranquilidade de um homem. Eu não preciso de padre ou de pastores. Eu posso me trancar no meu quarto quantas horas eu quiser sem pedir favor a ninguém. É assim que a gente tem que fazer pra gente não ser obrigado a escutar pessoas contando mentira, inventando coisas. Por isso, meus companheiros e companheiras, esse dia 20 de agosto, defendo o Estado laico. O estado não tem que ter religião. Todas as religiões têm que ser defendidas.

E abaixo o mesmo trecho do discurso na íntegra, com destaque para os trechos suprimidos:

Quero dizer duas coisas pra vocês. Coisas que eu acredito. E quero dizer olhando nos olhos de vocês, porque tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo. Tem demônio sendo chamado de Deus. E tem gente honesta sendo chamada de demônio. Porque tem gente que não está tratando a igreja pra custar (sic) da fé ou da espiritualidade e está fazendo da igreja um palanque político ou uma empresa para ganhar dinheiro. E eu quero dizer pra vocês, eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo o Estado laico. O Estado não tem que ter religião. Todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado. Mas, também quero dizer: as igrejas não têm que ter partido político, porque as igrejas têm que cuidar da fé e da espiritualidade das pessoas. E não cuidar de candidatura de falsos profetas ou de fariseus que estão enganando esse povo o dia inteiro. E eu falo isso com a tranquilidade de um homem que crê em Deus. Eu falo isso com a tranquilidade de um homem de 76 anos de idade, oito filhos criados, oito netos, cinco filhos e uma bisneta. Eu, quando quero conversar com Deus, eu não preciso de padre ou de pastores. Eu posso me trancar no meu quarto e conversar com Deus quantas horas eu quiser. Sem pedir favor a ninguém. É assim que a gente tem que fazer. Pra gente não ser obrigado a escutar pessoas contando mentira. Quando deveria estar cuidando da fé. Quando deveria estar cuidando das prioridades. Quando deveria estar lendo a Bíblia decentemente e não inventando coisas. Por isso, meus companheiros e companheiras, esse dia 20 de agosto, a 43 das eleições para a presidência da República, eu estou orgulhoso…

Candidato não defende fechar igrejas

Ao alterar o andamento do vídeo e o sentido das falas do candidato à Presidência, a peça de desinformação tenta convencer que Lula quer o fim das igrejas ou da religiosidade. Entretanto, o vídeo completo tem outro sentido. O petista defende o Estado laico, que já é uma regra no Brasil, como exposto na Constituição Federal de 1988, nos artigos 5º e 19º.

Liberdade religiosa no Brasil

Procurada pelo Comprova, a assessoria de imprensa de Lula afirmou que ele é “a favor da liberdade religiosa, tendo inclusive assinado a Lei de Liberdade Religiosa durante o seu governo”. Trata-se da lei federal 10.825/2003, que diz que aos partidos políticos e organizações religiosas são “livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.

 

Entretanto, o Brasil tem a liberdade de culto e de religião garantida desde a Constituição Federal de 1988. Antes disso, a partir do Código Penal de 1940, em seu artigo 208, o Brasil condenava “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. Em 1997, também entrou em vigor a lei federal 9.459, que preve punição aos “crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

 

Veja o vídeo completo abaixo:

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