Há cinco anos, pesquisadores do Instituto J. Craig Venter se propuseram a criar uma célula sintética com o menor número de genes possível. Deu certo, mas o problema vinha na hora da divisão celular: o organismo não gerava clones de si mesmo, e sim células de formas e tamanhos estranhos. Agora, com a adição de sete novos genes, o grupo de cientistas conseguiu fazer a célula se reproduzir normalmente, como as bactérias e organismos unicelulares. A pesquisa foi publicada no periódico Cell.
A JCVI-syn3.0, como é chamada a célula, foi feita usando bactérias do gênero Mycoplasma, em conjunto com um DNA desenvolvido em laboratório. Na natureza, essas bactérias já possuem um genoma minúsculo: a Mycoplasma genitalium, responsável por infecções genitais em humanos, possui apenas 525 genes. Para efeito de comparação, a bactéria intestinal Escherichia coli possui quase 4 mil genes, enquanto nós temos cerca de 30 mil.
O pesquisador Craig Venter, que participou do Projeto Genoma Humano, também foi o primeiro a criar uma célula com DNA sintético, em 2010. Na época, ele e sua equipe transformaram um micoplasma com 985 genes em um organismo de 901 genes, o JCVI-syn1.0.
Nos anos seguintes, os pesquisadores continuaram a retirar mais partes do genoma, até chegar a um organismo que fosse mínimo. Em 2016, criaram a JCVI-syn3.0, com meros 473 genes. Eles tiraram todas as partes do genoma que não eram necessárias para o metabolismo e a replicação do organismo. As células conseguiram se reproduzir e formar colônias in vitro, mas ao olhá-las de perto, a equipe percebeu anomalias nas células-filhas.
As células deveriam ser pequenas bolinhas, mas algumas eram 25 vezes maiores que o tamanho normal, enquanto outras tinham o formato alongado ao invés de redondo. A equipe, liderada pela bióloga Elizabeth Strychalski, do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos, concluiu que estavam faltando genes que ajudam a controlar a reprodução e formato da célula.
Continua após a publicidadeO passo seguinte foi ir atrás desses genes. Entre milhares de possibilidades, os pesquisadores não faziam ideia de quais eram eles. Mas eles sabiam de uma coisa: a JCVI-syn1.0, aquela primeira célula de 2010, não tinha problema em se reproduzir. As peças que faltavam deveriam estar entre os 428 genes retirados da primeira versão (com 901 genes) para a segunda (com 473 genes).
Além disso, a equipe havia criado diferentes linhagens de células durante os seis anos de pesquisa. Em uma dessas linhagens conservadas em freezer, os pesquisadores tinham retirado apenas 76 genes da JCVI-syn1.0, mas a célula já estava se reproduzindo de forma anormal. Isso afunilou as possibilidades de 428 para 76.
Com base nessas informações, a equipe de Strychalski adicionou diferentes combinações de genes no genoma da célula até chegar em um número mínimo novamente. A capacidade de reprodução da célula foi restaurada com a introdução de sete novos genes, resultando em um organismo funcional com 480 genes.
Mas o que esses sete componentes têm de tão importante? Ninguém sabe. Apenas dois deles (chamados ftsZ e sepF) são genes conhecidos, e possuem um papel na divisão celular. Os outros cinco possuem funções desconhecidas. “Nós ainda não conhecemos os mecanismos pelos quais essas células dividem. Isso me impressiona – é um dos aspectos básicos da vida”, disse a pesquisadora em entrevista à Science.
As próximas pesquisas com a célula JCVI-syn3.0 “corrigida” podem ajudar a desvendar esse mistério. Estudos com organismos “mínimos” são importantes para compreender não só a fisiologia básica das células, mas também a evolução de toda a vida na Terra. Contendo apenas as peças indispensáveis para o bom funcionamento, essas células são a versão mais próxima do que foi o ancestral comum entre todos os seres vivos.